segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A discricionariedade abusiva das bancas examinadoras

Até que ponto é justo e correto o poder dado às bancas examinadoras quanto à elaboração das questões, definição dos gabaritos e deferimento ou indeferimento dos recursos impetrados? Em que ponto estamos deixamos de lado a discricionariedade e passamos a estar sujeitos a atos envoltos em arbitrariedade?
No contexto dos atos administrativos, a análise pode partir de diferentes perspectivas, desde as bases doutrinárias que diferenciam os dois conceitos, até alcançarmos casos concretos que expõem o reflexo real da aplicação dos mesmos.
Sabemos que todo ato estará vinculado, pelo menos, à finalidade e à competência, o que nos permite entender que não exista ato que seja absolutamente discricionário. O interesse público vincula o ato administrativo quanto à finalidade, enquanto a indicação legal dos competentes para praticá-lo gera o vínculo com relação à competência.

A lei estabelece os limites da discricionariedade, ou seja, até onde um ator público tem liberdade de escolha quanto à forma de agir. Dessa forma, a aplicação de referenciais subjetivos por parte do administrador deve estar em conformidade com os fundamentos encontrados no conjunto de leis que compõem o sistema legal. O agir com arbitrariedade, por outro lado, atenta contra a ordem jurídica ao extrapolar os limites estabelecidos pela lei. O resultado é a ilicitude do ato, pelo que passa a estar sujeito aos corretivos legais existentes.

Com relação à autonomia dada às bancas examinadoras – confundida em alguns casos com onipotência – quando elaboram provas de concursos públicos, o que vemos é um conjunto de afrontas explícitas ao interesse público, principalmente no que tange ao caráter isonômico constitucionalmente atribuído aos processos seletivos dessa natureza. Tal comportamento se apóia em lacunas na lei que facultam não apenas a omissão na motivação de alguns atos, mas também o explícito abuso quanto a determinadas deliberações. O que se vê é a inexistência de dispositivos de controle dessa imunidade que reveste as decisões tomadas pelas bancas examinadoras, levando de forma incontida da discricionariedade à arbitrariedade administrativa. São desrespeitados, quase ignorados, os princípios da isonomia e da razoabilidade.

Discricionariedade técnica
Expressão usada como referência aos limites técnicos para a discricionariedade que têm as bancas examinadoras. Tais limites deveriam ser usados como elementos que restringem a liberdade da atuação ao levar em consideração os referenciais aceitos nas comunidades acadêmico-científicas. Isso significa dizer que a liberdade das bancas deveria ser balizada técnica e cientificamente.

Partindo do pressuposto do notório saber daqueles que elaboram e corrigem as provas de concursos públicos, há que se constatar correção e respeito ao conhecimento científico afeto a cada uma das disciplinas, gerando contextos verdadeiramente isonômicos e legais de concorrência às vagas para todos os candidatos. O que se busca, então, são processos seletivos capazes de identificar aqueles que dominam o conteúdo, sempre tomando como base as fontes universalmente aceitas.

Finalizando, destacamos que os concursos públicos devem necessariamente ser elaborados à luz dos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, os quais regem todos os atos administrativos.
Assim, como cidadão brasileiro e professor por opção, sugiro que nos unamos para quebrar a arbitrariedade constatada nos certames, buscando garantir a defesa de nossos direitos e levantando a bandeira do extermínio do abuso de poder.

Exemplos de abuso (1)

Amigos,
Segue nosso primeiro "caso concreto". Trata-se de uma colega do Paraná. Por motivos de precaução, os nomes das pessoas serão omitidos.
Encaminhe o seu... Participe... divulgue.
Obrigado, amiga, pela colaboração.


Caro Professor Enrique, bom dia!
 
Esse email que o Sr. nos enviou, me instigou a "brigar" por algo que presenciei e estou me sentindo totalmente injustiçada.
Permita-me lhe explicar, tentarei ser breve, preciso muito de sua ajuda ou opinião.
 
Fiz uma prova ONTEM A TARDE (23/08) para o cargo de advogado da Câmara Municipal de Medianeira (interior do Paraná). Custou R$ 140,00 a inscrição, um preço um tanto quanto salgado para um concurso a nível de Município com aproximadamente de 40 mil habitantes. O gabarito saiu HOJE, e quando liguei na empresa que está realizando o concurso, fui informada que não terei acesso às questões para recorrer! Ainda por cima me perguntaram "se eu não havia lido o edital". Eu respondi que sim: a famosa cláusula ... implicará no conhecimento e a tácita aceitação... dos quais não poderá alegar desconhecimento...", mas de qualquer forma, eles deveriam disponibilzar um espelho ou afixar no mural da Câmara. O responsável (proprietário) da "suposta Banca", me esclareceu que haviam alertado ontem que "se alguém tivesse dúvida sobre alguma questão, deveria copiá-la atrás da ficha de inscrição para depois recorrer". Mas eu vi que VÁRIAS questões estavam dissonantes com o conteúdo programático, será que eu deveria ter ocupado as minhas preciosas 03 horinhas para incluir a transcrição de um sem números de questões sinistras?? QUE ABSURDO!!!
 
Por fim, não menos absurdo que isso tudo, tem mais: A prova tinha 30 questões, das quais encontrei 20 (VINTE) QUESTÕES COPIADAS DE OUTRAS PROVAS, estou com essas outras provas impressas, havia conseguido no site PCI Concursos. SÃO EXATAMENTE IGUAIS, até com erros do tipo citar número de artigo, sem sequer mencionar se se trata das CF ou do CTN, veja:
 
"Considerando-se a definição de tributo e suas espécies, é correto afirmar que: ...
d) o imposto é um tributo cujo fato gerador independe de qualquer atividade estatal específica em relação ao contribuinte, sendo permitida a vinculação da repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159 (????), às ações e serviços públicos de saúde e para a realização de atividades da administração tributária)".
Ou seja, se a Banca queria que "alguém" passasse, era bem fácil indicar o site com as respectivas provas para dar uma estudadinha...
 
O que eu faço diante de tamanha injustiça? Não consigo a prova; o edital diz que devo pagar R$ 30,00 para recorrer; caiu uma questão,  COPIADA dessas aí de cima que te falei, que era sobre a Constituição do Estado, não obstante não haver menção sobre referida Constituição no Conteúdo programático.... Procuro a subseçao da OAB da cidade de Medianeira? Porcuro o Ministério Público? Impetro MS? Passei a semana toda estudando até de madrugada, se soubesse disso teria procurado provas de concursos anteriores de Camaras muninicpais e lido tudinho, vai que cairiam questoes exatamente iguais...  Estou triste, muito triste.
Atenciosamente,
.


Pensamento do dia...

"O concurso público somente interessa aos fracos, aos desprotegidos, àqueles que não contam com o amparo dos poderosos capazes de conseguir cargos ou empregos sem maiores esforços. A realização de concursos públicos sempre terá uma forte oposição daqueles que dispõem de meios para prover cargos e funções por outros meios. 
Além disso, sempre existe uma desconfiança dos participantes comuns no tocante à lisura e à legitimidade do procedimento. As autoridades diretamente incumbidas de levar a efeito um concurso público sempre terão de se haver com uma saraivada de impugnações e denúncias de toda ordem".
Fonte: ReDE - Revista Eletrônica de Direito do Estado
Número 6 – abril/maio/junho de 2006 – Salvador – Bahia – Brasil
Autor: 
Prof. Adilson Abreu Dallari
Professor Titular de Direito Administrativo da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Indícios de abuso do sistema


  • Critérios não claros e em alguns casos com algum grau de subjetividade;
  • Omissão legislativa quanto ao que se deve exigir para garantir atendimento aos requisitos do cargo pretendido visando à garantia do tratamento isonômico dos candidatos;
  • Acatamento de taxas de inscrição abusivas que extrapolam em muito o pressuposto de “cobrir gastos com a realização do concurso” – a realização de concursos públicos se transformou em um fabuloso mercado de oportunidades financeiras;
  • Formação de cadastros-reserva com inexistência de perspectiva real para os aprovados (há que se questionar a “expectativa de direito”)
  • Excessos burocráticos no encaminhamento dos recursos referentes a erros de gabarito ou de correção – o que cria um obstáculo natural aos processos de retificação;
  • Inexistência de simetria quanto ao que as bancas exigem na fundamentação dos recursos e ao que elas apresentam como fundamentação para os indeferimentos.
  • Incompatibilidade entre o nível de dificuldade e a abrangência das questões e os requisitos do cargo (ex: conceito Michigan e conceito Harvard)
  • Questões formuladas com base em livros que há muito saíram das prateleiras, exigindo exatidão literal do conhecimento em vez de requerer entendimento conceitual contextualizado ao universo do cargo pretendido.
  • Erros nos editais – exigências descabidas e que não encontram justificativa no que é requerido para exercício do cargo em foco.
  • Provas discursivas cujos temas extrapolam o que poderia ser cobrado como conteúdo a ser conhecido pelos candidatos a determinada posição. Quando questionadas, geram incontáveis processos de suspensão judicial.
  • Alteração nas regras inicialmente publicadas, mesmo após o processo já estar em andamento.
  • Repetição de questões já usadas em certames anteriores – como ocorre quando são modificados os números de vagas por localidade e reabertas as inscrições – prejudicando sobremaneira aqueles que se inscreveram ainda no primeiro momento.
  • Desrespeito à exigência legal de isenção de taxas para candidatos de baixa renda.
  • Desobediência à exigência de que se concedam vistas às provas discursivas e às questões objetivas (indispensável para a elaboração de recursos).